Prof. Dílson Catarino - Crase

 A palavra crase provém do grego (krâsis) e significa mistura, união. Na língua portuguesa, crase é a fusão de duas vogais idênticas, mas essa denominação visa a especificar principalmente a contração da preposição a com os artigos definidos femininos a, as ou com os pronomes demonstrativos a, as, aquele, aquela, aquilo.


a + a = à


a + as = às


No a + aquele(s) = àquele(s)


a + aquela(s) = àquela(s)


a + aquilo = àquilo


Para saber se ocorre ou não a crase, basta seguir três regras básicas:


01)    Só ocorre crase diante de palavras femininas.


 


– O sol estava a pino. Sem crase, pois pino é palavra masculina.


– Ela recorreu a mim. Sem crase, pois mim é pronome.


– Estou disposto a ajudar você. Sem crase, pois ajudar é verbo.


02)    Se a preposição a for exigida por uma palavra que indica destino (ir, vir, voltar, chegar, cair, comparecer, dirigir-se, ida, vinda, chegada, etc.), substitua-a por outra que indique procedência (vir, voltar, chegar…); se, diante da que indicar procedência, surgir da, diante da que indicar destino, ocorrerá crase; caso contrário, não ocorrerá crase. Essa substituição serve para demonstrar a existência da preposição e do artigo, cuja junção exige o acento indicador de crase.


venho de = vou a


venho da = vou à


– Vou a Porto Alegre. Sem crase, pois Venho de Porto Alegre.


– Vou à Bahia. Com crase, pois Venho da Bahia.


– A ida à fazenda foi tranquila, mas a volta à cidade foi um caos. (Voltei da fazenda; voltei da cidade)


03) Se não houver palavra indicando destino, substitua a palavra feminina por outra masculina; se, diante da masculina, surgir ao, diante da feminina, ocorrerá crase; caso contrário, não ocorrerá crase. Essa substituição serve para demonstrar a existência da preposição e do artigo, cuja junção exige o acento indicador de crase.


– Assisti à peça. Com crase, pois Assisti ao filme.


– Paguei à cabeleireira. Com crase, pois Paguei ao cabeleireiro.


– Respeito as regras. Sem crase, pois Respeito os regulamentos.


Casos especiais:


01) Nas expressões adverbiais à moda de e à maneira de, mesmo que as palavras moda e maneira fiquem subentendidas, ocorre crase.


– Fizemos um churrasco à gaúcha. (À moda gaúcha; à moda dos gaúchos)


– Comemos bife à milanesa e espaguete à bolonhesa. (À moda milanesa e à moda bolonhesa; à moda de Milão e à moda de Borgonha)


– Joãozinho usa cabelos à Príncipe Valente. (À moda do Príncipe Valente)


02) Nos adjuntos adverbiais de modo, lugar, tempo e intensidade femininos, ocorre crase.


à tarde, à noite, às vezes, às pressas, às escondidas, às escuras, às cegas, à direita, à esquerda, à vontade, à revelia, à beça, à toa …


– Encontrei Tiago ontem à noite.


– Saí às pressas de casa.


03) Nas locuções prepositivas e conjuntivas femininas ocorre crase.


Locução prepositiva feminina é a junção de a + substantivo feminino + de sem que o substantivo feminino exerça a função de sujeito nem de objeto direto;


Locução conjuntiva feminina é a junção de a + substantivo feminino + que sem que o substantivo feminino exerça a função de sujeito nem de objeto direto.


à maneira de, à moda de, à custa de, à procura de, à espera de, à medida que, à proporção que…


– Ele está à procura da esposa.


– À proporção que o tempo passa, mais sábios ficamos.


04) Na locução adverbial a distância, modernamente o acento indicador de crase passou a ser opcional, mas é recomendado se houver ambiguidade. Se, porém, houver a locução prepositiva à distância de o acento passa a ser obrigatório.


– Reconheci-o a distância.


– Convém mantê-los à distância.


– Reconheci-o à distância de duzentos metros.


– Convém mantê-los à distância de alguns metros da piscina.


05) Diante do pronome relativo que ou da preposição de, quando for fusão da preposição a com o pronome demonstrativo a, as, que pode ser substituído por aquela, aquelas, ocorre crase:


– Essa roupa é igual à que comprei ontem.  (a + aquela)


– Sua voz é igual à de um primo meu. (a + aquela)


06) Diante dos pronomes demonstrativos este(s), esta(s), isto, esse(s), essa(s), isso não ocorre crase, mas diante de aquele(s), aquela(s), aquilo, sim, se houver a preposição a. 


– Não assisti a essa série, mas àquela da garota… (a + aquela)


– Obedeça àqueles que lhe são superiores. (a + aqueles)


07) Diante dos pronomes relativos a qual, as quais, quando o verbo da oração subordinada adjetiva, restritiva ou explicativa (o que vem logo depois de a qual, as quais) exigir a preposição a, ocorre crase.


– A cena à qual assisti foi chocante. (Quem assiste, assiste a algo)


08) Quando o a estiver no singular, diante de uma palavra no plural tomada em sentido genérico, não ocorre crase, pois falta-lhe o artigo. Se o a vier seguido de s, e a palavra estiver sendo tomada em sentido específico, ocorrerá a crase.


– Referi-me a todas as alunas, sem exceção. / Mas: Referi-me às alunas desta escola.


– Não gosto de ir a festas desacompanhado. / Mas: Não gosto de ir às festas desta igreja desacompanhado.


09) Nos adjuntos adverbiais de meio ou de instrumento, há divergência entre os gramáticos. Uns dizem que deve ocorrer crase em qualquer circunstância, mesmo não ocorrendo ambiguidade; outros, que só deve ocorrer se houver ambiguidade na frase. Modernamente ambas as opiniões são aceitas. 


– Preencheu o formulário a caneta.


– Matou o desafeto a faca.


– Pagou o automóvel à vista. 


 10) Diante de pronomes possessivos femininos, é facultativo o uso do artigo se o pronome acompanhar substantivo, então, quando houver a preposição a, será facultativa a ocorrência de crase. A crase só será facultativa se o pronome estiver no singular. Com pronomes possessivos no plural, a crase ou existe ou não existe. Com possessivos indicativos de nomes de parentesco, não se usa, exceto se indicar intimidade.


– Referi-me a sua professora. / Referi-me a suas professoras.


– Referi-me à sua professora. / Referi-me às suas professoras.


– Entreguei a carta a sua tia. (desnecessário, exceto se a afetividade justificar esse uso, mas não é erro gramatical)


Obs.: Caso o pronome possessivo substitua substantivo, o artigo será obrigatório; se, então, houver a preposição a, o acento indicador de crase também será obrigatório se houver elipse do substantivo.


– Não me referi a sua esposa, e sim à minha.


– Não me referi à sua esposa, e sim à minha.


11) Após a preposição até, é facultativo o uso da preposição a, portanto será facultativo o uso do acento indicador de crase se houver substantivo feminino à frente.


A preposição “até” tem o sentido de “limite de tempo ou de lugar”.


Se, porém, “até” for palavra denotativa de inclusão, terá o sentido de “inclusive”, e não possui a variante até a. Por exemplo:


– Fui até a secretaria.


– Fui até à secretaria.


Nessas frases, há a indicação de limite de lugar. A preposição, então, é facultativa. Como o artigo “a”, o acento indicador de crase é facultativo.


– Faminto, ele come até pedra. (Inclusive)


– Coloque até cinco colheres de açúcar. (no máximo)


Observe este exemplo:


– Aparamos a grama até o jardim frontal.


Nessa frase, é impossível saber se “até” é preposição (limite de espaço) ou palavra denotativa de inclusão (inclusive).


Se for preposição, é recomendável o uso da preposição para evitar ambiguidade.


– Aparamos a grama até ao jardim frontal. (Limite de lugar. Não se aparou a grama do jardim frontal)


– Aparamos a grama até o jardim frontal. (Inclusive a grama do jardim frontal foi aparada)


12) A palavra CASA:


Diante da palavra casa não haverá artigo quando significar ‘moradia, lar’ e não estiver especificada. Consequentemente, não haverá crase nesse caso:


– Cheguei a casa antes do restante da família. 


Se a palavra casa estiver especificada, será determinada pelo artigo “a”. Se houver a preposição “a”, ocorrerá crase. Porém, se houver um pronome possessivo antes da palavra casa, a crase será facultativa:


– Cheguei à casa de Ronaldo antes de todos.


Se a palavra casa não estiver especificada, mas significar a construção, o prédio, será determinada pelo artigo ”a”. Se houver a preposição “a”, ocorrerá crase:


– Saímos da casa e fomos até o lago. (…) Quando voltamos à casa, ela estava todo bagunçada.


13) A palavra TERRA:


– Significando planeta, é substantivo próprio e tem artigo, consequentemente, quando houver a preposição a, ocorrerá a crase.


– Os astronautas voltaram à Terra.


– Significando chão firme, solo, só tem artigo, quando estiver especificada, portanto só nesse caso poderá ocorrer a crase.


– Os marinheiros voltaram a terra.


– Irei à terra de meus avós.


– No sentido de “área ou região não especificada; local, região, território” não se usa o artigo.


– Não quero viver em terra estranha.


 – Esta cidade é terra de ninguém.


Observe este trecho de Saramago na obra Levantado do chão:


“Não é coelho ou ginete para apodrecer ao sol, mas imaginando que a fome, ou o frio, ou o calor o deitem a terra onde não deram por ele, ou uma doença daquelas que não dão sequer o tempo de pensar nisso, menos ainda de chamar alguém, mesmo tarde hão de achar.”


Ele não usou o acento indicador de crase em “… o deitem a terra onde não deram por ele”, por “terra” ter o sentido de “área ou região indeterminada”.


Comprova-se a ausência do artigo, substituindo-se a preposição “a” por “em”: “… o deitem em terra onde não deram por ele”


Segundo o dicionário Houaiss, o vocábulo “terra” será determinado por artigo, e consequentemente pode ocorrer crase, com os seguintes sentidos:


1 Superfície sólida da crosta terrestre onde pisamos, construímos etc.:


O papa ajoelhou-se para beijar a terra. Quando seus lábios chegaram à terra, teve uma síncope.


2 Torrão natal; pátria:


Voltou à terra anos depois.


3 Porção de terreno que pertence a alguém; domínio, propriedade, fazenda:


Emocionava-se quando se referia à terra.


4 Espaço onde se enterram os mortos; cemitério, sepultura:


Dar um corpo à terra.


5 Quando nominar o nosso planeta (inicial maiúscula”):


Os astronautas chegaram à Terra.


14) Nomes de pessoas: Diante de nome de pessoas, usa-se artigo para indicar afetividade ou familiaridade, podendo, no entanto ser omitido. Nessa indicação, portanto, o acento indicador de crase também será opcional. Se o nome próprio estiver qualificado, a crase será de rigor. Em referência a pessoas célebres, a crase será proibida, a menos que o nome esteja qualificado.


Caso não haja a indicação de familiaridade, não ocorrerá crase.


– Referi-me a Tarsila do Amaral, importante artista brasileira.


– Referi-me à Bruna, namorada de meu irmão.


– Referi-me a Bruna, namorada de meu irmão.


15) Ambiguidade: Em alguns casos, deve-se usar o acento indicador de crase para evitar ambiguidade. Por exemplo:


– Matar a fome. (= comer) / Matar à fome. (= deixar à míngua)


– Bater a porta. (fechar a porta com violência) / Bater à porta. (= anunciar-se)


– Cheirava a rosa. (sentia o cheiro da rosa) / Cheirava à rosa. (= exalava o cheiro de rosa)


16) Combinação de “de … a” e “da … à”: Em combinações da preposição de com a preposição a, ou haverá artigo com ambos ou com nenhum, não deve haver mistura, que gera a quebra da simetria. Por exemplo:


– Estarei lá das 14h às 16h. (Ambas as preposições se contraem com artigos: de + as = das; a + as = às)


– Estarei lá de 14h a 16h. (Nenhuma preposição se contrai com artigo)


– De segunda a quarta, estaremos fechado. (Nenhuma preposição se contrai com artigo)


– De 10 a 14 de abril… (Nenhuma preposição se contrai com artigo)


17) Palavras masculinas: Não há crase diante de palavras masculinas, exceto no caso já citado de estar subentendida a locução prepositiva 'à moda de': redação à Machado de Assis.


– O sol estava a pino.


18) Verbos: Não há crase diante de verbos no infinitivo. Verbos só possuem flexões de número, pessoa, tempo, modo, voz e aspecto. Não apresentam flexão de gênero, exceto uma das formas nominais: o particípio, que varia em número. Pode haver um a antes de verbo flexionado, mas não será preposição, e sim pronome oblíquo.


– A partir de amanhã, atenderemos em novo horário.


19) Horas: Haverá crase diante de horas se houver a preposição “a” e a hora for feminina. Caso haja outra preposição, que não “a“, como para, desde, após e entre, não ocorrerá a crase. Havendo a preposição até, o acento indicador de crase será facultativo.


– Cheguei às 14h.


– Estou aqui desde as 14h.


– Chegarei após as 14h.


– Ficarei até as 14h.


– Ficarei até às 14h.


20) Palavras iguais: Entre palavras iguais não há crase, com exceção de 'é preciso declarar guerra à guerra' e 'é preciso dar mais vida à vida'.


lado a lado, cara a cara, dia a dia, gota a gota


21) Pronomes:


Diante dos pronomes de tratamento iniciados por Vossa e por Sua e diante de você, não ocorre crase, com exceção de senhora, senhorita, dona e madame:


– Não me referi a Vossa Excelência, caro governador, mas a Sua Excelência, o prefeito da capital.


Diante dos pronomes pessoais – mim, ti, si, ele, ela, nós, vós, eles, elas – não há crase, e de pronomes demonstrativos (este, esse, esta, essa, isto, isso), pronomes indefinidos (alguém, ninguém, algo, algum, qualquer) e pronomes interrogativos (quem, qual, que, quanto), com exceção de mesma, própria, outra e tal:


– Dirigiu-se a mim desrespeitosamente.


Diante de quem e de cujo, cuja, cujos, cujas não ocorre crase. Também não ocorre crase diante de sujeito e de objeto direto e antes da expressão Nossa Senhora e de nomes de santas, com exceção de Virgem Maria:


– A pessoa a quem me referi era ela.


– O aluno a cujo pai me referi era ele.

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